Da confortável poltrona do saguão do grande shopping a senhora observa a
vitrine da ótica. Centenas de armações perfiladas como soldados em uma parada
militar, similares, salvo pequenos detalhes. A cada um ou dois segundos humanos
surgem no seu campo de visão, ela está de costas para o tumultuado corredor e
faz anotações em um pequeno caderno espiral. Um menino entediado balança uma
sacola de presente; decerto a compra do carrinho tão sonhado foi mais uma vez
adiada em favor da festa de aniversário daquele chato colega do colégio. Um
bebê dorme profundamente em meio ao intenso burburinho, deve estar guardando
toda sua revolta para usar na adolescência. Dois negros retintos, quase azuis,
daquele tipo longilíneo que só se encontra na África, atravessam sua frente,
tão rápidos quanto duas gazelas na savana.
A enorme loja de departamentos a sua frente chama a atenção pelo
limitado número de clientes que entram e saem de mãos vazias; como pode sobreviver?
Os turistas padronizados vestem tênis, bermuda e camiseta como o casal de meia
idade que com passadas largas e sincronizadas esbanjam vigor, entusiasmo e a
consciência tranquila dos que cumpriram o seu dever. Os nativos da terra se
dividem em dois grupos bem distintos: americanos de jeitão desleixado, obesos e
mal vestidos e hispânicos vaidosos que demonstram seu gosto duvidoso na fartura
de adereços das mulheres e nos excêntricos fricotes que os rapazes ostentam no
lugar da barba. As horas passam e a avalanche de gente se adensa atrás do
frenético hábito que move a economia da metrópole. Mas aquele enorme templo do
consumo é para ela inócuo, a senhora sabe desde sempre que só precisa de um colchão
macio e água quente para seu conforto.
Do lado de fora o som da algazarra, dentro do ouvido
interno ela ouve apenas o zumbido triste e nostálgico da longa espera. A mocinha,
na ótica, agora fala e gesticula com a vendedora, parece que finalmente escolheu
o modelo da sua armação. A mulher robotizada tenta insistentemente limpar a
minúscula e indelével mancha do chão. O sol vaza pela claraboia, o facho de luz
ilumina o carpete; a senhora percebe nele um remendo. Um modesto sinal de
fragilidade no vigoroso sistema financeiro da terra símbolo do desperdício, o
país do Tio Sam. São três horas da tarde, o celular toca no exato momento em
que seu estômago denuncia a fome, a senhora sorri aliviada. Em poucos minutos
ela nutre o corpo e a alma; seus netos surgem trazendo nos olhos todo o amor do
mundo e nas mãos uma bandeja cheia de quentinhos rolinhos primavera, os seus
preferidos.
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