Como seus pais, os filhos de hoje nunca serão. Não os vejo a massa
homogênea sugerida pela letra da balada, documento ou lamento de uma geração
revolucionária composta por Belchior. Na letra ele canta com vigor seus ideais
e fala das suas frustradas expectativas sobre a relação entre filhos e pais. O
hiato comum entre as gerações nunca se fez tão marcante como nas ultimas
décadas. Não criamos nossos filhos como fomos criados, nem tampouco nossos
netos são educados nos moldes em que ensinamos nossos filhos. Esse é um sinal
característico da velocidade do conhecimento, do avanço tecnológico nos
impulsionando em disparada para o futuro.
E por falar em musica, desloco o foco quando lembro a não menos
bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins - Aos nossos filhos. Salto no tempo e
no espaço, troco o tema do discurso, não me atenho a comparações, sigo direto
em direção ao desgastado “mea culpa”. Apelo sem dó para a trilha sonora em busca do
mais recôndito esconderijo, tentando perceber numa fugaz sinapse a palavra
certa para definir e expressar o quase inatingível sentimento. Já disseram
quase tudo a respeito dele, em inúteis tentativas lançaram vaticínios piegas
pelos quais não advogo. Ser mãe é padecer no paraíso (nem tanto lá, nem tanto
cá); Amor de mãe não se engana (depende do ângulo de visão); Pé de galinha não
mata pinto (uma dolorida inverdade). A verdade, no entanto, é bem simples: a
celebrada maternidade, assim como a bem menos prestigiada paternidade é o fato
natural vivenciado com mais intensidade por todos nós.
E com as letras das duas melodias, lado a lado na tela do
computador, me perco em devaneios mais ou menos congruentes. A menina alienada do
pós-guerra que fui, atravessou marcianamente a longa ditadura e vive até hoje
alheia às convenções partidárias. Subjugada aos desmandos democráticos,
sinto-me em parte responsável pelas opções abraçadas por meus filhos. E se eu
tivesse participado mais das ações políticas e sociais? Mas ao mesmo tempo um
bom pedaço de mim se alenta ao perceber que as horas não dedicadas às
passeatas, foram absorvidas por outro nobre ideal, mais doméstico e menos
plural - ser mãe - apesar da atribulada vida profissional.
Não me arrependo do pão e do circo que ofereci em tempo integral
nem da vigilância ininterrupta, entremeada pelos cochilos da madrugada. E me
orgulho de ser alvo daquela pequena confidência que poderia ter sido dirigida
ao melhor amigo e de ter amparado em meu ombro o primeiro de muitos choros
convulsivos ao término daquele namoro pretensamente definitivo. E também da
vaidosa presença nas festas de formatura em que recebi junto com eles o diploma
da missão cumprida. Alheios aos critérios de sucesso atuais que exigem o carro
do ano e um armário repleto de etiquetas famosas, amadurecerem independentes e comprometidos
com a ética; o que me permite envelhecer em paz. E só isso me basta. Assim prefiro
pensar que o sinal está fechado para nós que não somos jovens. E que nossos
filhos vençam por nós, as perdidas batalhas e quando um dia colherem os frutos,
digam o gosto para nós.
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