13 de dez. de 2013

Nossos filhos



Como seus pais, os filhos de hoje nunca serão. Não os vejo a massa homogênea sugerida pela letra da balada, documento ou lamento de uma geração revolucionária composta por Belchior. Na letra ele canta com vigor seus ideais e fala das suas frustradas expectativas sobre a relação entre filhos e pais. O hiato comum entre as gerações nunca se fez tão marcante como nas ultimas décadas. Não criamos nossos filhos como fomos criados, nem tampouco nossos netos são educados nos moldes em que ensinamos nossos filhos. Esse é um sinal característico da velocidade do conhecimento, do avanço tecnológico nos impulsionando em disparada para o futuro.



Os aparatos fenomenais de comunicação definitivamente não facilitaram o relacionamento entre as gerações, nunca nos comunicamos tão mal. Modernos, não admitimos nosso fracasso e subestimamos nossa solidão acompanhada. Precisamos comer, dormir, malhar, trabalhar e acima de tudo estar conectados com o mundo. Parafraseando Pondé, que o mesmo faz com Burke, digo: geralmente quem ama a humanidade, detesta seu semelhante, ou no mínimo não se importa muito com ele. Os dois mil amigos do facebook dificilmente saberão que o diálogo diário com seus filhos não ultrapassa dez palavras. Porque nós pais não temos tempo para isso ou porque o onipresente fone de ouvido não possibilita nosso acesso ao ser objeto de nossa precária atenção.
E por falar em musica, desloco o foco quando lembro a não menos bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins - Aos nossos filhos. Salto no tempo e no espaço, troco o tema do discurso, não me atenho a comparações, sigo direto em direção ao desgastado “mea culpa”.  Apelo sem dó para a trilha sonora em busca do mais recôndito esconderijo, tentando perceber numa fugaz sinapse a palavra certa para definir e expressar o quase inatingível sentimento. Já disseram quase tudo a respeito dele, em inúteis tentativas lançaram vaticínios piegas pelos quais não advogo. Ser mãe é padecer no paraíso (nem tanto lá, nem tanto cá); Amor de mãe não se engana (depende do ângulo de visão); Pé de galinha não mata pinto (uma dolorida inverdade). A verdade, no entanto, é bem simples: a celebrada maternidade, assim como a bem menos prestigiada paternidade é o fato natural vivenciado com mais intensidade por todos nós.   



E com as letras das duas melodias, lado a lado na tela do computador, me perco em devaneios mais ou menos congruentes. A menina alienada do pós-guerra que fui, atravessou marcianamente a longa ditadura e vive até hoje alheia às convenções partidárias. Subjugada aos desmandos democráticos, sinto-me em parte responsável pelas opções abraçadas por meus filhos. E se eu tivesse participado mais das ações políticas e sociais? Mas ao mesmo tempo um bom pedaço de mim se alenta ao perceber que as horas não dedicadas às passeatas, foram absorvidas por outro nobre ideal, mais doméstico e menos plural - ser mãe - apesar da atribulada vida profissional.



Não me arrependo do pão e do circo que ofereci em tempo integral nem da vigilância ininterrupta, entremeada pelos cochilos da madrugada. E me orgulho de ser alvo daquela pequena confidência que poderia ter sido dirigida ao melhor amigo e de ter amparado em meu ombro o primeiro de muitos choros convulsivos ao término daquele namoro pretensamente definitivo. E também da vaidosa presença nas festas de formatura em que recebi junto com eles o diploma da missão cumprida. Alheios aos critérios de sucesso atuais que exigem o carro do ano e um armário repleto de etiquetas famosas, amadurecerem independentes e comprometidos com a ética; o que me permite envelhecer em paz. E só isso me basta. Assim prefiro pensar que o sinal está fechado para nós que não somos jovens. E que nossos filhos vençam por nós, as perdidas batalhas e quando um dia colherem os frutos, digam o gosto para nós.

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