28 de abr. de 2013

Dúvida



A noite cai no apartamento de classe media do Flamengo. Luis Alberto chega tarde do trabalho e encontra, como sempre, sua família em paz. As crianças já estão dormindo e Cristina no banheiro faz sua rotina diária de beleza e diz:
- Vou servir seu jantar, fiz panqueca de camarão.
- Comi um sanduíche no trabalho, não estou com fome
- Da uma lida no texto que eu fiz para a aula de amanhã e diz se é conto ou crônica.
- Você está na oficina para aprender.
- Eu ainda tenho duvidas e não quero mais perguntar ao professor
Com ar aborrecido, ele pega o texto nas mãos e conta as folhas.
- Com quatro paginas é conto, não cabe no jornal.
- Podia ser para uma revista. Que má vontade!
Ele lê rapidamente, sem muita atenção o longo texto e vaticina:
- É conto
- Porque você acha que é conto
- Porque é uma historia fictícia.
- Mas expressa uma opinião, é dissertativa e...
Ele a interrompe, liga o computador e resmunga
- Então é crônica
- Mas não é conto, quando tem muitos personagens?
Ele fica mudo
- Mas o tema é atual, como se diz mesmo..., é datado
- Isso mesmo, então é crônica, posso voltar pro meu joguinho?
- Não sei pra que fui pedir sua ajuda, você nunca me apóia mesmo
- Vai começar a mesma ladainha...
- Cada dia que passa tenho mais certeza que o nosso casamento acabou.
- La vem você de novo com essa idéia maluca de independência
- Você não acredita, mas qualquer dia, vou embora
- Você não vai a lugar nenhum, não sabe viver sem mim
- Vou para onde meus sonhos sejam respeitados e esse lugar vai ser bem longe de você.
Ia começar a montanha russa habitual. A discussão sempre começava com um motivo banal, e ia se desvirtuando ate chegar ao terreno lamacento das ofensas pessoais. Mas dessa vez ia ser diferente, pensou ele. Desligou o computador, apagou a luz e se enfiou debaixo do edredon.
Ela continou o ritual de sempre: creme, hidratante, escova, massagem, enquanto desfiava seu rosário de lamentações.
- Abandonei o trabalho para cuidar de você e das crianças e depois de anos de dedicação, quando resolvo retomar minha carreira não recebo nenhum incentivo. Você é um insensível, sem coração. Tudo que você tem, deve a mim. Nunca contratei uma faxineira, nem mandei uma roupa para consertar na costureira, seus filhos sempre tiveram boas notas no colégio. Sem falar das peças de artesanato que faço para enfeitar a casa e dar de presente para os amigos, só para economizar seu dinheiro. Acabou, chega! Amanhã vou falar com o advogado e pedir o divórcio!
Intrigada com o silencio, Cristina se aproxima da cama, cutuca Luis Alberto e pergunta
- E agora, o que você acha disso tudo?
Com os olhos entreabertos, de costas, ele diz
- Isso e crônica.

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